Fragmentos iniciais de "A cadela sem Logos"
§
sempre digo ao
telefone meu
nome querendo
dizer sou eu
como quem
diz estou
chegando ele
sempre responde
quem querendo
dizer é você
como quem
diz qual
o seu direito
em ter um
nome ambos
comércio e
sexo com sua
ofegância repetitiva
prometem a mecânica
para cruzar o divisor
que separa o conhecimento
dos objetos
prováveis antes
do sono
prega etiquetas nas
coisas cama
na cama criado
-mudo no criado-mudo
amante no amante
ausente
§
para provar seu
entusiasmo e assegurar a
destruição de tecidos
no pedágio
da alegria
apagou o
cigarro no próprio
pulso que revidou
latejando
e mordendo a
brasa lambendo
as cinzas a
semente da
maçã
inaproveitável
sempre devolva-me
o caroço meu
bem querendo o mel do
rei ao mesmo tempo
que o depôe provendo
dor ao fingimento
alheio
§
falar hoje exige
elidir a própria
voz as transações
inventivas entre
interno e externo
demandam
que a base venha
à tona e a
superfície seja
da profundidade da
história ímpeto
denotando o
centrífugo
o corpo público
que exibo como
palco fruto
da ansiedade
do remetente
o interno ao longo
da epiderme
como emily
dickinson terminando
uma carta de minúcias
com „forgive
me the personality“
§
difícil convencer todas
as partes do meu
corpo do sentido
de uma ação e
assim pôr em
movimento as roldanas
da corpulência em
direção ao
abstrato cruzar
o oceano tantas
vezes umedece
os propósitos faz
querer uma cama
no fundo
não não
é irônico
que bas jan ader in search
of the miraculous afunde
desapareça em meio
oceano
§
inveja das cartas a que
basta dedilhar um
nome completo e sempre
conseguem a atenção
do destinatário e
enquanto ele e
ele abrem
a boca permitem
a visita ao estômago
alheio minha garganta
de mão dupla abre
a passagem mais
uma vez devo bastar
-me limito-me a
olhar sua
boca limítrofe o
álcool realmente não
auxilia a
confusão de
estômagos entre
interno e externo
§
o que é uma língua
perdida se
encontra saliva
em estranhos como se
vai de são paulo a
berlim nomear esta
relevância morta
vício de memória horror
à memória horror do
esquecimento uma foto
é irrespirável a catedral
da cidade do méxico
afundando no antigo
lago bombeie bombeie
concreto até reter as
águas é preciso
cruzar o oceano
para ousar
falar de
água
§
em minha boca ele
alcança o meio-dia
mas a intermitência o
apreende como em
qualquer música
cúmplice do acaso a
pessoa começa a
afastar-se desde que
se aproxima a distância
existe entre pele e
pele cada imagem
dobrando a esquina
não configura
sua chegada
ele
só chega quando seu
corpo chega carregado
pelas próprias pernas
e jamais falha que
eu o reconheça
de imediato
como dono de
certos lábios voz
nome e um modo
de apresentar-se
ele
chega o mundo
assume uma nova
forma: a do
equilíbrio precário do
mundo
§
usar a imagem desgastada
do espelho diante da
superfície imunizar
as segundas
terceiras quartas
intençoes armadura
de modéstia que
mina o
uso constante não
oblitera o arbitrário um
corpo livre de funçoes e
enviem as coerçoes do
reflexo
a falta de sono afia
o espelho ao desfoque
do olho ele
assegura sua atração por
mim com palavras no
fundo você
sabe não não
existe esse fundo
§
num vôo sobre o
atlântico espera-se
muita água mas
abre-se a janela
aleatoriamente para
ver uma ilha
vulcânica “no meio
do nada” alguém
ousaria dizer não
se tenta o acaso o
nascimento desce e as
águas espalham-se pelo
chão para merecer
um nome ele diz
que beberia as águas
do atlântico no
café-da-manhã tanto
sal impede o
nascimento o
mundo simpático não
há ironia no acaso só
na vingança da
vontade o chão
é fértil demais
para o acaso
assim ele
jorra por todos
os cantos detenham-no
vontade nome grito